segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

ARTIGO: Flamengo hexacampeão: tão perto e tão longe!




Freire Neto – jornalista e flamenguista
Quanto vale um sonho? Qual o preço para ver o seu time de coração, desde a infância, decidir na última rodada o título de campeão brasileiro de futebol após 17 anos sem vencer? E o melhor, no Maracanã. Eu adoro desafios. Buscar a realização de sonhos, metas e objetivos lançados é comigo mesmo. Sabia que tinha e deveria ir ao Rio de Janeiro acompanhar a última partida do Flamengo contra o Grêmio, mas não me programei com antecedência. Deixei pra última hora. Vários amigos e parentes desistiram e muitos outros disseram que era melhor eu me conformar e deixar para ir ao Maraca em outro jogo. E eu continuei lutando. Primeiro para conseguir o ingresso, depois para saber se iria de carro ou avião. Por último, se ficaria em hotel ou casa de amigos, parentes. Na quarta-feira à noite, após finalizar o caderno Motores & AÇÃO da semana. Conversei sério com minha esposa, Sandra Melo, e decidimos: Eu vou!


Na quinta-feira (3/12), véspera do jogo, consegui ingresso e um primo, Marcus Paulo Freire, mais um amigo dele (Jeremias Barbosa, de Belém/PB) decidiram ir pra esta aventura. Resolvemos todos os detalhes da viagem e marcamos tudo. Sexta, eles vieram da Paraíba pra Natal, de onde embarcamos para o Rio de Janeiro, no sábado. A ansiedade, angústia e nervosismo dos três eram facilmente notadas. Sonhávamos toda hora com a entrada do Flamengo no gramado. Arriscávamos placares: 3x0, 2x1, 4x1. Mas de uma coisa tínhamos certeza, iríamos acompanhar o hexacampeonato do Flamengo no Rio de Janeiro, dentro do “Maior do Mundo”.

Mas, na sexta-feira, tivemos a primeira notícia preocupante. A dona da casa que iria nos receber desistiu. Liguei pra hotéis, pousadas e tentei outras possibilidades. Mas, uma grande amiga, Marione Othon, nos socorreu e conversou com uma tia, que fez questão de nos receber na sua casa na “Cidade Maravilhosa”.

Depois de 3h30 de vôo, chegamos ao RJ e fomos direto pra nosso destino na Tijuca. Acreditem, a 1,7 Km do Maracanã. “Dá para ir a pé sem problema algum”, avisou Tia Mada Cortez, que nos adotou como sobrinhos e com quem nos demos muito bem. Antes de finalizar essa história e contar o que passamos, quero registrar que o melhor dessa viagem foi ter conhecido, convivido e descoberto essa “parente”, amada, hospitaleira e amiga pra toda vida. Uma conquista dos três. Obrigado meu Deus. E o mais importante nessa “passagem” é fazer o bem, ser positivo e atrair pessoas iluminadas para o nosso convívio.

Chegou a hora. Seguimos rumo ao Maracanã logo cedo para garantir tranqüilidade e melhores lugares. Por volta das 12h30 já estávamos fazendo fotos em frente ao estádio Mário Filho, na fila que se formava ao lado da estátua de Bellini para a entrada das arquibancadas. Isso mesmo. “Não vou de cadeira numerada, vou sentar na arquibancada pra sentir mais emoção”, profetizou pra eternidade a música que ouço desde os anos 80, do Neguinho da Beija Flor.



Os portões foram liberados às 13h00. E em frente às catracas de acesso à rampa começou o nosso drama. Assim como nós três, centenas de torcedores se frustraram defronte às leitoras ao ver os seus ingressos sendo recusados. “Vai, tenta na outra”, mandava o funcionário da Suderj. Tentamos em outra, mais uma, outra. Quem conseguia entrar comemorava como se fora um gol.

Os técnicos da BWA, empresa que imprimiram os ingressos, abriam a todo instante as catracas e com ajuda de chaves de fenda tentavam fazê-los passar pelas roletas. E nada! O tempo ia passando e ao lado do meu primo, vi meu sonho acabar. Mas, o amigo Jeremias em um momento iluminado, conseguira entrar. “Vamos gente. Segue tentando. Pede para o técnico abrir a catraca e tentar fazer o ingresso passar”, gritava de longe. Mas, eu e Marcus Paulo não tivemos a mesma sorte. Por ainda ser cedo, por volta das 13h30, o movimento era pequeno e logo os policiais chegaram para desencorajar a persistência e fazer os torcedores frustrados, voltarem, afirmando que os nossos ingressos eram falsos. Mas como eles poderiam provar que eram? “É melhor vocês saírem daqui, antes que sejam presos ou ‘grampeados’”, gritou um policial. Duas horas depois, no tumulto, e sem conseguir controlar a multidão, as pessoas pulavam as catracas ou passavam debaixo da roleta como prova vídeo gravado pelo sitegloboesporte.com. Não dava pra conter a multidão!

Nunca usei de malandragem, pilantragem ou jeitinho para entrar em estádio ou qualquer evento que fosse. Contudo, alguns torcedores gritavam e tentavam: “Bora cara, tenta de novo, uma hora entra. Aqui no RJ é assim mesmo. Tem que ser malandro.” Será? “Sabe de uma coisa primo, vamos aproveitar o domingo e passear no Leblon, ver o Cristo e ir a Copacabana”, disse Marcus Paulo. Vamos embora.



As filas eram enormes ao redor do estádio, integrantes de torcidas organizadas intimidavam, intimavam e incitavam a violência. “Estão roubando ingressos. Corre!” Jeremias entrou e assistiu ao jogo. Nós, ainda tentávamos em outro portão uma melhor sorte por volta das 15h, incentivados pela persistência e fé da Tia Mada, que teimosamente, nos fez voltar e vir conosco novamente a outro portão. “Meu Filho, vamos conseguir. Tenha fé. Quando eu disser pra irmos embora, é porque não tem mais jeito”, gritou no meu ouvido. Tentamos de outra forma, sem sucesso, pois as filas estavam gigantescas e as notícias e rumores eram de que o Maracanã já estava lotado. Com certeza, mais de 100 mil pessoas estavam por ali, dentro e fora do estádio. A desorganização era total. Ninguém sabia informar ou resolver nada. “Senhora, aqui é à entrada das cadeiras cativas ou perpétuas e eu não posso sair daqui pra ajudá-la.ok?”

Na terceira tentativa, mesmo avisada de que não queríamos mais assistir ao jogo, muito menos entrar no estádio, com muita fé, devoção, força e solidariedade à nossa frustração, ela nos fez tentar novamente. Subimos uma rampa para encontrar alguém da Suderj, bem na hora da revolta da torcida no portão 19, quando o mesmo foi fechado e mais ninguém entrou no estádio.




Os “sem-ingressos”, terceira idade, pessoas com necessidades especiais, pais e crianças, “malandros” querendo se aproveitar e integrantes de uma torcida organizada se espremiam e tentavam entrar cada um com o seu jeito, sua história, mas em vão. E nós, no meio. Entre a rampa, uma parede e a grade do portão. Integrantes da torcida organizada puxavam outros com bandeiras ou toalhas. Os gritos de “vamos invadir” e revolta não paravam. Quem estava dentro tentava pedir aos policiais para abrir os portões, quem estava fora pedia pra entrar. Nesse empurra-empurra, eu e Marcus Paulo tentávamos nos proteger e evitar que nada acontecesse a tia Mada. “Meu filho, dê as costas pra multidão e fique perto da parede. Vamos embora”, foi a última coisa que ela falou antes de passar mal – perder a consciência e entender que não iríamos entrar de jeito algum.

Pensei que o pior não poderia ser evitado. Agarrei Tia Mada pelos braços, com ajuda de uma jovem mulher, abandonada com um filho de 10 anos pelo marido que pulou o muro com a torcida organizada, meu primo e um deficiente físico. Juntos tentávamos sair. Sem sucesso, apelei, gritei por ajuda sem parar e várias vezes. Num desespero que nunca antes na minha vida, tinha passado. “Socorro, minha ‘mãe’ está morrendo”. Só assim, comovemos a polícia e alguns torcedores, e a “Choque” chegou com escudos e aparelhos de choque para abrir a multidão e sairmos daquela situação.

Seguimos até a ambulância da Polícia Militar, após o sufoco, ela voltou ao normal. Hipoglicemia e dores em todo corpo. Fomos pra casa. Assistimos ao hexa do Fla pela TV e tivemos a certeza que realmente, o Rio de Janeiro não está pronto, nem apto para receber uma Copa do Mundo, muito menos as Olimpíadas com a estrutura que tem. E que para isso se tornar realidade, é preciso uma grande revolução nos profissionais, nos aparelhos e na mentalidade do povo brasileiro. E poucos foram os veículos de comunicação que mostraram a “guerra” do lado de fora do Maracanã, a desorganização, falta de estrutura, o drama das pessoas sem conseguir entrar com ingressos na mão e inexistência de sinalização para a torcida entrar no estádio. E assim como nós, milhares de pessoas tiveram que se conformar em assistir ao jogo pelo qual pagou pra entrar, através da TV. Mas o importante é aprender a lição. E o melhor presente foi ganhar uma nova tia, que está muito bem, e saber que nosso amigo Jeremias Barbosa, que chorava ao lembrar da realização do seu sonho a cada instante, conseguiu. E curtiu por nós, cada momento.

Obrigado meu Deus, por nos dar forças e evitar o pior. E na vida, nem sempre ganhamos. E é preciso aprender na derrota, para vencer novamente. Viva ao Hexa. Mas quanto vale o preço do seu sonho? Ano que vem tem mais: Carioca, Libertadores, Brasileirão! Valeu primo, desculpe por tudo e obrigado por estar comigo. Nossa amizade também será pra sempre! No Marcanã, novamente, só se for como imprensa, de cadeira especial ou convidado. Da-lhe, da-lhe, da-lhe, ô...

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2 comentários:

  1. Diante de toda a luta da última semana para estar ali, acompanhei e briguei por você e seus amigos, naquele momento, naquele lugar o que posso dizer é que as batalhas são pesadas, mas a vitória de uma guerra é saber que perdemos esta, mas a próxima será ganha! Força amigo, não desista dos sonhos.

    Quanto a organização o que podemos ver é que mais uma vez o Rio mostra não está preparado para receber o mundo, seja pela organização dos eventos, pela violência que toma conta da cidade ou pelo simples fato de que o poder público não está nem ai para seus. Um evento localizado, embora de grande proporções, como este foi um verdadeiro tumulto, imagine uma final de copa com o Brasil disputando!?

    Sobre o Hexa, parabéns pelo Penta, vitória mais do que merecida e suada, mai 87 é meu!

    Abraços Rubro-negro,

    Sérgio Holanda

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  2. .
    Freire,

    A desorganização foi clara e proposital. Ouvi de muitos cariocas que quando a polícia quer, organiza tudo direitinho e só entra no Maracanã quem tem ingresso na mão.

    Eu, Foca e Ana chegamos às 14h, já tinha um público dentro, mas o portão das nossas cadeiras estava fechado porque tinha muita gente sem ingresso querendo entrar.

    Depois de uns 20 minutos [que pareciam muito mais] abriram, e a galera tentou invadir, a polícia veio com tudo, os cacetetes passaram fazendo "vento" na gente.

    Dos ingressos, só o de Foca passou de primeira. O meu e de Ana, foi no esquema da catraca aberta pra poder ler. Mas leu e entramos.

    Lá dentro foi uma tranquilidade, assistimos tranquilos e emocionados o jogo inteiro, na saída também foi tudo muito bem.

    Sinto muito por sua tia, e por você e seu primo não terem conseguido entrar pra engrossar o coro da maior torcida, pra ajudar a fazer o maior espetáculo da Terra, pra sentir a emoção indescritível que é estar ali!

    Acompanhei seu empenho, sua vontade, assim como eu também tive a fé de saber que precisava estar ali e assistir nosso Mengão ser hexa de perto. Infelizmente nem só de pessoas pacíficas é formada nossa torcida, mas isso é em todo lugar, o problema é que quando se fala de Flamengo, as proporções são sempre maiores...

    Mas certamente outras oportunidades virão, com organização, para que possamos torcer lá no Maraca.

    Pra minha sorte, minha história termina com "assistir o Mengão ser Campeão no Maraca não tem preço". Tô só esperando pra fazer tudo de novo ano que vem, AMÉM!

    Saudações rubro negras!
    =*
    .

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